09/11/2014

Pudera...

Arte: George Braque


Pudera fundir-me, a língua, à tela difusa
Dotar-me das histórias que não têm fim!
Despir-me da neve que à paixão reclusa,
Que crespe as cordas do meu bandolim.

Pudera profanar a tez, − textura marfim.
Suprimir do enleio a desventura de musa
Do devaneio que ateia, ora me parafusa
Que sapateia ao que não, ainda que sim.

Pudera executar balada nobre e incisiva:
Canção que lasciva tua distinta memória
− E furtiva dissabores da razão seletiva.

Pudera ceder às flores que amas ilusória,
Render-me aos fulgores da cama evasiva:
Que trama, saliva − proclamas em glória.



h.f.



*Soneto iniciado em jun. de 2014.

"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."

(Gaston Bachelard)